Era um pensamento tumultuado, amargurado, magoado, caótico e raivoso.
Chegou à empresa que trabalhava há mais de vinte anos, ali naquele local, de seu trabalho, era sua segunda casa.
Conhecia cada canto, cada funcionário, procurava realizar suas atividades à contento, até mesmo com certo carinho; mas, naquela manhã, seu chefe, a quem considerava um amigo, o chamará para conversar:
- Senhor Leonardo, nem mesmo sei como dizer isso, mas preciso dizer, é o seguinte passamos por um momento difícil, e a empresa precisa que eu faço algumas escolhas, também muito difíceis. - o homem abaixou a cabeça envergonhado, engoliu em seco, e desferiu muito atrapalhado ; - O senhor está demitido.
- Como? Demitido assim, sem mais nem menos, para ir embora, para a rua, na minha idade?
- Desculpe senhor Leonaldo, mas preciso fazer algumas escolhas. Preciso de sangue novo na empresa, pessoas com diploma, empreendedoras, jovens.
- E que ganhe metade do eu ganho, mas eu não faço só o que está anotado na minha carteira, faço muito mais do que isso. Quantos funcionários o senhor vai contratar para colocar em meu lugar?
- Não me deixe mais constrangido do que estou, o senhor está demitido, e é só isso. Não temos o que discutir. Por favor, eu tenho mais coisas para fazer.
- Mas... eu preciso cumprir aviso prévio?
- Acho melhor não, pesquisas já provaram que funcionário demitido, cumprindo aviso prévio, só dá prejuízo.
- O senhor me perdoe, mas me conhece há mais de vinte anos, e acredita mesmo que eu faria algo para prejudicar a empresa e os funcionários, ou mesmo o senhor. Tem razão eu preciso ir embora, porque eu descobri que aqui não tem lugar para mim.
Leonardo saiu, alguns colegas o esperavam ansiosos, sabiam que quando o chefe chamava logo cedo, provavelmente, era algo ruim.
- E ai, Leo, o que aconteceu?
- Fui despedido.
Abraços de comiseração e tristeza confortaram o senhor.
Leonardo resolveu que precisava ir embora, estava vexado, triste e revoltado. Abriu a porta de seu armário, retirou alguns objetos de uso pessoal, e entregou a chave para a secretária da diretoria.
Saiu do prédio e caminhava devagar, quando ouviu seu nome ser gritado:
- Senhor Leonardo, senhor Leonardo.
Virou e espantado reconheceu a esposa do dono da empresa.
- O que foi dona Marlene? Esqueci de retirar alguma coisa de meus pertences.
A mulher respirou, recobrando o folego perdido durante a corrida para alcançar o funcionário.
- Esqueceu sim, precisa voltar para o trabalho.
- Voltar para o trabalho? Eu fui demitido pelo seu esposo.
- E eu cancelei sua demissão.
- Mas...
- Sem mas senhor Leonardo, eu não me esqueci de sua atenção, seu carinho, seu apoio, sua honestidade e, principalmente, a sua capacidade de realizar um bom trabalho. Lembra quando meu filho quase morreu e o senhor correu comigo para uma porção de lugares em busca de uma solução? Pois bem, eu não esqueci. Dê-me sua mão, vamos voltar ao trabalho.
- Desculpe, dona Marlene, mas essas coisas que citou são obrigações morais que cumpro com muito carinho, e sabe de uma coisa, acho que não quero voltar não. O dinheiro que receberei do acerto pretendo comprar um peruazinha simples, dessas que são uma pequena cozinha. A noite vendemos cachorro quente na garagem de minha casa, agora vou montar um Food Truck, meu sonho e de minha esposa.
- O senhor tem certeza? Afinal está conosco há mais de vinte anos, tem um bom emprego e seguro.
- Seguro, dona Marlene? Acho que não, me desculpe, mas seu esposo não me quer mais por lá, e mais dia, menos dia vai achar um motivo suficiente para eu ir embora sem retorno.
- O senhor tem razão. Quando montar seu food truck quero que me avise, eu, meus filhos e netos iremos comer cachorro quente com o senhor.
Dona Marlene voltou ao escritório, estava até feliz, percebeu que o mal feito acabou gerando bons resultados.
Uma semana se passou e era o dia do acerto do senhor Leonardo.
Ele se dirigiu ao RH, que acertou suas contas, triste percebeu que o dinheiro não daria para realizar seu projeto, a maior parte de seu salário era pago como bonificação e sem nenhum recibo. Saiu da empresa, cabisbaixo e preocupado. Pensou aborrecido:
- E AI, IRMÃO, O QUE FAÇO?
Pegou o ônibus e voltou para casa, desceu no ponto pertinho de onde morava, ainda pensando:
- Minha mulher vai ficar triste, estávamos com tantos planos, e agora?
Dobrou a esquina, de cabeça baixa, tirou a chave do bolso, quando levantou os olhos, parou admirado, em frente a casa estava o mais lindo veículo de alimentação que poderia desejar, e o melhor de tudo, estava todo decorado, e nas laterais estava escrito: HOT DOG DO LÉO.
Sua esposa e dona Marlene o abraçaram com alegria.
- Senhor Leonardo, aí está o restante do seu acerto.
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença,
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
(Augusto dos Anjos)