sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

E AI, IRMÃO, O QUE FAÇO?

Leonardo caminhava lentamente pelo meio fio, olhava o chão, contava os passos e pensava.

Era um pensamento tumultuado, amargurado, magoado, caótico e raivoso.

Chegou à empresa que trabalhava há mais de vinte anos, ali naquele local, de seu trabalho, era sua segunda casa.

Conhecia cada canto, cada funcionário, procurava realizar suas atividades à contento, até mesmo com certo carinho; mas, naquela manhã, seu chefe, a quem considerava um amigo, o chamará para conversar:

- Senhor Leonardo, nem mesmo sei como dizer isso, mas preciso dizer, é o seguinte passamos por um momento difícil, e a empresa precisa que eu faço algumas escolhas, também muito difíceis. - o homem abaixou a cabeça envergonhado, engoliu em seco, e desferiu muito atrapalhado ; - O senhor está demitido.

- Como? Demitido assim, sem mais nem menos, para ir embora, para a rua, na minha idade?

- Desculpe senhor Leonaldo, mas preciso fazer algumas escolhas. Preciso de sangue novo na empresa, pessoas com diploma, empreendedoras, jovens.

- E que ganhe metade do eu ganho, mas eu não faço só o que está anotado na minha carteira, faço muito mais do que isso. Quantos funcionários o senhor vai contratar para colocar em meu lugar?

- Não me deixe mais constrangido do que estou, o senhor está demitido, e é só isso. Não temos o que discutir. Por favor, eu tenho mais coisas para fazer.

- Mas... eu preciso cumprir aviso prévio?

- Acho melhor não, pesquisas já provaram que funcionário demitido, cumprindo aviso prévio, só dá prejuízo.

- O senhor me perdoe, mas me conhece há mais de vinte anos, e acredita mesmo que eu faria algo para prejudicar a empresa e os funcionários, ou mesmo o senhor. Tem razão eu preciso ir embora, porque eu descobri que aqui não tem lugar para mim.

Leonardo saiu, alguns colegas o esperavam ansiosos, sabiam que quando o chefe chamava logo cedo, provavelmente, era algo ruim.

- E ai, Leo, o que aconteceu?

- Fui despedido.

Abraços de comiseração e tristeza confortaram o senhor.

Leonardo resolveu que precisava ir embora, estava vexado, triste e revoltado. Abriu a porta de seu armário, retirou alguns objetos de uso pessoal, e entregou a chave para a secretária da diretoria.

Saiu do prédio e caminhava devagar, quando ouviu seu nome ser gritado:

- Senhor Leonardo, senhor Leonardo.

Virou e espantado reconheceu a esposa do dono da empresa.

- O que foi dona Marlene? Esqueci de retirar alguma coisa de meus pertences.

A mulher respirou, recobrando o folego perdido durante a corrida para alcançar o funcionário.

- Esqueceu sim, precisa voltar para o trabalho.

- Voltar para o trabalho? Eu fui demitido pelo seu esposo.

- E eu cancelei sua demissão.

- Mas...

- Sem mas senhor Leonardo, eu não me esqueci de sua atenção, seu carinho, seu apoio, sua honestidade e, principalmente, a sua capacidade de realizar um bom trabalho. Lembra quando meu filho quase morreu e o senhor correu comigo para uma porção de lugares em busca de uma solução? Pois bem, eu não esqueci. Dê-me sua mão, vamos voltar ao trabalho.

- Desculpe, dona Marlene, mas essas coisas que citou são obrigações morais que cumpro com muito carinho, e sabe de uma coisa, acho que não quero voltar não. O dinheiro que receberei do acerto pretendo comprar um peruazinha simples, dessas que são uma pequena cozinha. A noite vendemos cachorro quente na garagem de minha casa, agora vou montar um Food Truck, meu sonho e de minha esposa.

- O senhor tem certeza? Afinal está conosco há mais de vinte anos, tem um bom emprego e seguro.

- Seguro, dona Marlene? Acho que não, me desculpe, mas seu esposo não me quer mais por lá, e mais dia, menos dia vai achar um motivo suficiente para eu ir embora sem retorno.

- O senhor tem razão. Quando montar seu food truck quero que me avise, eu, meus filhos e netos iremos comer cachorro quente com o senhor.

Dona Marlene voltou ao escritório, estava até feliz, percebeu que o mal feito acabou gerando bons resultados.

Uma semana se passou e era o dia do acerto do senhor Leonardo.

Ele se dirigiu ao RH, que acertou suas contas, triste percebeu que o dinheiro não daria para realizar seu projeto, a maior parte de seu salário era pago como bonificação e sem nenhum recibo. Saiu da empresa, cabisbaixo e preocupado. Pensou aborrecido:

- E AI, IRMÃO, O QUE FAÇO?

Pegou o ônibus e voltou para casa, desceu no ponto pertinho de onde morava, ainda pensando:

- Minha mulher vai ficar triste, estávamos com tantos planos, e agora?

Dobrou a esquina, de cabeça baixa, tirou a chave do bolso, quando levantou os olhos, parou admirado, em frente a casa estava o mais lindo veículo de alimentação que poderia desejar, e o melhor de tudo, estava todo decorado, e nas laterais estava escrito: HOT DOG DO LÉO.

Sua esposa e dona Marlene o abraçaram com alegria.

- Senhor Leonardo, aí está o restante do seu acerto.

A Esperança não murcha, ela não cansa, 
Também como ela não sucumbe a Crença, 
Vão-se sonhos nas asas da Descrença, 
Voltam sonhos nas asas da Esperança. 
(Augusto dos Anjos)




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