segunda-feira, 23 de abril de 2012

REFLEXÃO SOBRE A VIOLENCIA CONTRA A MULHER

Ouvimos e lemos histórias de violência contra a mulher e nos revoltamos, queremos que o famigerado autor do crime sofra todos os males possíveis e imaginários, que pague de maneira horrenda por seus atos desequilibrados.
E quando a história está próxima de nossa vida, de nossos amigos, de nossos familiares, então... os pensamentos vão longe, a imaginação cria e recria a nossa ação para cima do infeliz, isso mesmo é um infeliz.
Vocês podem até ficar bravos comigo, mas esses homens violentos são infeliz, há estudos sérios a respeito do assunto, psiquiátricos e psicológicos, e essas relações doentes e obsessivas, são resultado do posicionamento de ambos, aqueles que integram essa relação apodrecida e triste. 

A nossa visão imediata dirige a nossa reação devido visão da mulher vítima, um ser mais frágil fisicamente, muitas vezes sentindo-se incapacitada de sair de uma situação de crise, mas capaz, com certeza.
Vou comentar com vocês dois casos que me marcaram bastante:
1.  Trabalhou comigo uma moça muito querida pela minha família, e nos sentíamos impotentes diante da violência que sofria por parte do marido alcoólatra. Nós a aconselhamos a procurar a Delegacia da Mulher e dar queixa, e isso foi feito inúmeras vezes... sem resultado positivo para minha amiga e seus filhos vitimados.

Certo dia, ela chegou para trabalhar e eu fiquei chocada com o estado de violência que havia acontecido na noite anterior em sua casa, então ela me contou o seguinte:

- Eu estava dando banho nas crianças e ele chegou mais cedo do bar, o jantar não estava pronto e ele com raiva por eu ter dado preferência no cuidado de meus filhos, partiu para cima deles e me coloquei na frente.

Ela apresentava cortes e hematomas por todo o corpo, seu olho estava inchado e sangrando no supercílio, revoltada, e brava por ela permitir este estado de coisas, disse com firmeza:

- Olha aqui! Se você aparecer de novo nesse estado para trabalhar, a culpa é só sua. Ele é grande, ele é forte, mas não é dois. E você não é nenhuma incapaz para se defender, além do mais ele está alcoolizado e sem muitos reflexos. Ele só te bate, porque você permite, abaixa a cabeça e deixa acontecer. Então, minha amiga, eu te amo muito, mas não tenho mais pena de você.

Ela trabalhou o dia todo, chorando, e eu com uma vontade louca de me retratar e dizer que não era nada daquilo, mas no momento, era o que eu estava pensando.
Passou-se uns dias e ela chegou a minha casa, alegre e orgulhosa, dizendo:

- Mandei ele para o hospital.

Abismada, olhei para ela, com olhar de indagação.

- Eu estava fritando pastéis para as crianças, ele chegou bêbado, e avançou para meu filho, aí lembrei o que você falou. Parece que criei uma força enorme dentro de minha revolta, catei a frigideira com óleo e pastel e dei uma surra nele. Ele gritava tanto que o vizinho veio ajudar e acabou levando ele pro postinho da vila. Aí chegou a polícia e disse que eu posso ser processada por agredir o infeliz do meu marido, que vivia me agredindo. Olhei pro guarda e dei risada e disse para ele que não conhecia nenhuma Lei Mario da Penha.

Resultado: o marido de minha querida amiga saiu do hospital e voltou para casa. Na porta de entrada da residência, há vinte anos, tem uma frigideira pendurada como lembrete que ela pode reagir e colocá-lo em seu lugar.

Atualmente, eles tem dois netos, uma casa muito bem cuidada e mobiliada, ele não bebe mais e no dia do pagamento, ela espera por ele no portão com as mãos estendidas.

Precisava acontecer tanto sofrimento para uma pessoa reagir e descobrir que tem direitos?
Não, violência não se resolve com violência, mas precisamos descobrir que temos a capacidade de saber o que nos é permitido e o que podemos permitir, como também saber de nosso direito em aceitar ou não determinadas coisas, mas isso, vai um tempo longo, é um processo de reeducação social.

2.    Uma amiga recente percebeu que seu marido andava mudando o comportamento, passou a observá-lo e descobriu que estava fazendo uso de drogas. Conversou com ele, limitou seu acesso ao dinheiro, levou-o ao médico, mas... ele não queria a melhora.

Um dia chegando a casa depois de um longo e cansativo dia de trabalho, encontrou-o totalmente louco, queria dinheiro de qualquer maneira, dentro de seu desespero agrediu-a e também a criança que estava em seus braços.

Ela conseguiu fugir dali e foi a uma delegacia próxima pedir ajuda. Quando a polícia chegou a sua casa, ele havia levado tudo que podia vender ou trocar por drogas.

Ela chamou um chaveiro, trocou as chaves das portas, arrumou as coisas dele em caixas e deixou na casa dos sogros.

Quando o infeliz voltou a si e percebeu o que estava acontecendo, ainda tentou agredi-la, culpando-a de abandoná-lo naquela situação. Sabe qual foi a resposta de minha amiga?

- Você está muito enganado, descobri que até o momento eu estava errada escolhendo viver nesse inferno com você. Você fez uma escolha e não me consultou. Quando nos casamos, também nos compromissamos a resolver tudo juntos, quem abandonou essa casa, essa família foi você. Você nos trocou por uma cápsula de cocaína. E pode ter certeza que essa escolha é sua e não minha, e nem de meu filho.

Ela está bem, depois de um longo tempo de ameaças e perseguições, quando a questionei sobre ter medo dele, ela me disse:

- Tenho mais medo de viver presa a ele, do que morrer por lutar contra isso. Tenho mais medo de ver meu filho acreditando que usar drogas é normal, porque vê o pai fazendo isso, do que ser morta por ele. A minha luta é por liberdade, e apesar das perseguições e das ameaças, eu estou livre daquele inferno.
Sei que existem casos de violência extrema, que acabam em desgraça, mas... por que as coisas chegam a esse ponto?
Ser vítima não será permitir a invasão de nossos direitos?
Sei até mesmo que muitas dessas mulheres sofrem terríveis panoramas mentais, até mesmo chegando ao ponto de se considerarem culpadas da ação do outro, mas será que apenas uma lei fará diferença ou será o nosso posicionamento no exercício desta lei?
Ou será ainda nossa disposição em encontrar novos caminhos através das conquistas, como a Lei Maria da Penha?
Aí volto a questionar o processo de educação social, efetivamente, o que podemos fazer?
Não tenho respostas, estou em busca delas, apenas percebo que medidas paliativas não é solução, muitas vezes apenas prolongam a dor.
Qual a finalidade desse texto? Apenas um convite à reflexão.


Estou firmemente convencido

que só se perde a liberdade

por culpa da própria fraqueza.

(Mahatma Gandhi)