DEZ
ANOS DEPOIS...
Romeu chega à casa cansado, trabalhava muito, precisava
cada dia mais de dinheiro, nunca era suficiente o que ganhava. O cartão de
crédito estava estourado, o cheque especial comia sua renda de maneira voraz,
sem contar as contas atrasadas. Estava exausto, não sabia mais o que fazer.
Entra pela porta da sala, está destrancada como sempre,
Julieta nunca pensa em nada, só se preocupa com a aparência. Olha ao redor e
fecha os olhos, desanimado, volta a observar o ambiente, está uma bagunça, fala
alto como para expurgar demônios:
- Que droga! Recolhi tudo e guardei tudo ontem à noite, e
está essa bagunça de novo.
Entra na cozinha e parece que um batalhão esteve por lá,
abre a geladeira e está vazia.
- Onde está toda comida que comprei no final de semana,
Julieta quase não come, vive de regime, e nunca sobra nada nem para matar minha
fome.
Nesse instante ouve o portão elétrico ser acionado, fecha
os olhos e tenta se acalmar, e pensa:
“- Romeu vem me ajudar, não consigo estacionar o carro.”
Dito e feito, em seguida ouve a voz melodiosa e manhosa
da esposa:
- Romeu vem me ajudar, não consigo estacionar o carro.
Paciente vai ao encontro da linda mulher que o espera,
ela apenas joga as chaves em sua mão, nem olha para o rosto do rapaz, e fala:
- Vou tomar um banho estou exausta.
- Onde você estava?
- Na academia onde mais? Preciso me cuidar senão perco
esse corpinho lindo. Apenas cansa, mas olhe só! – fala passando as mãos pelo
corpo – Você não tem inveja ou vergonha quando se olha, está um trapo. Cuidado
que arranjo outro.
Romeu veja os olhos, trinca os dentes e apenas sorri.
Entra no carro e o estaciona, quando sai percebe que a
esposa bateu o carro de novo, a traseira está toda amassada. Fecha os olhos e
tenta se acalmar, imaginado onde vai arranjar dinheiro para consertar ou trocar
o veículo, conhecendo a mulher sabe que irá atormentá-lo até que resolva o
assunto. Entra em casa e pergunta:
- Você bateu o carro de novo?
- É... precisa arrumar, enquanto isso alugue um para mim,
não vou dirigir aquela furreca que você chama de automóvel.
- Eu ando de furreca porque não sobra dinheiro para eu
trocar por um carro melhor. Você gasta tudo.
- Simples! Ganhe mais e não me amole, senão amanhã
levanto com olheiras e, Deus me livre, com rugas de aborrecimento.
Romeu se cala, e vai arrumar a casa, lavar louças,
colocar roupas na máquina de lavar. Olha uma pilha de peças de roupas para
passar e se recusa.
- Hoje não! Estou muito cansado.
Julieta sai do banho e grita enlouquecida:
- Estou com fome, faz algo para eu comer, você sabe como
eu fico quando estou faminta.
- Não tem nada na geladeira, onde foi parar tanta comida.
- Levei para a casa de minha mãe, assim ela economiza
para fazer a viagem que tanto sonha... França... Paris... e se prepare porque
decidi que também vou. Pega o telefone e peça comida. Algo leve, por favor,
malhei muito para depois comer algo calórico.
Romeu fecha os olhos, vai responder algo de má vontade,
mas se controla.
- Vou à quitanda comprar algumas verduras e legumes, faço
uma salada.
Julieta não se dá nem ao trabalho de responder, Romeu sai
para a rua, olha o céu brilhante de estrelas e pensa:
- O que aconteceu com ela? Por que essa transformação
toda, ou era eu que cego de amor não vi como era fútil e egoísta, mas é minha
esposa e preciso ter paciência. Quem sabe quando tivermos um filho, ela não
melhora?
DOIS
ANOS DEPOIS...
Romeu ouve a campainha tocar.
- Ela já chegou, agora que não posso mais pagar academia,
ela vai andar na praça e volta mais cedo. Vou dar um jeito de pagar academia!
O homem com andar pesado, vai estacionar o carro, está
batido de todos os lados.
- Romeu a partir de amanhã vou usar sua furreca, esse
carro está horrível. Hoje fui motivo de gozação na praça quando estacionei.
- Não vai não, eu preciso trabalhar e de um carro que
ande. Seu carro só tem quatro anos e você o transformou em sucata, esse é um
problema seu.
- Nossa! Credo! Como está comigo, meu bichinho! Andei
pensando em engravidar, o que você acha?
- Não quero, não posso sustentar um filho até pagar as
dívidas que você me obrigou a fazer. Além do mais, não colocaria um filho meu
em suas mãos de jeito nenhum.
- Credo, amor! Como você está irritado! Venha cá dar um
beijinho.
- Não quero! Cansei! Entendeu? Fique longe de mim!
Romeu entra em casa e se tranca no escritório. A casa
está parecendo um campo de guerra, ele não se importa mais.
NOVE
MESES DEPOIS...
Romeu chega à casa, Julieta já está por lá, a casa está
limpa, as roupas lavadas e passadas... ele fecha os olhos e pensa:
“- Ai vem bomba e das poderosas.”
Encontra a esposa na cozinha, está fazendo o jantar. Ele
desconfiado, pergunta:
- O que está acontecendo? Sem rodeios, por favor!
- Estou grávida!
- Grávida? Como? Faz mais de ano que não a toco.
- É do meu personal training?
- Personal training, como você tem um, se nem ao menos
temos dinheiro para pagar a academia?
Julieta olha para ele meio de lado, e fala:
- Arranjei outro jeito de pagar.
Romeu fecha os olhos e pergunta com calma:
- E o que ele falou? Pelo menos você contou a ele, não é?
- Ele quer a mim e não a criança.
- E o que você quer de mim?
- Que aceite ser o pai de meu filho.
Romeu fecha os olhos e, admirado, percebe que não se
importa com Julieta, olha para ela e sente compaixão, é apenas uma criança
mimada.
- Vamos ver!
UM
ANO E UNS DIAS DEPOIS...
Romeu chega à casa,
está tudo silencioso, estranha, Julieta vive irritada e gritando por qualquer
coisa, não tem paciência alguma com Estela, seu bebê de quatro meses.
Entra na sala, o caos voltou, descobre que precisa limpar
a casa de novo, tem fraldas e mamadeiras sujas espalhadas por todo canto.
No espelho que enfeita a sala, um bilhete escrito com batom:
- Fui embora com o Gininho, meu personal training, deixo
o bebê para você. Acabei de dar mamadeira para essa coisa horrorosa, não a
dexei sozinha, esperei na esquina ver você chegar. Fui!
Romeu corre para o quarto da filha e aliviado descobre
que a criança dorme tranquila. Olha o pequeno e rosado rostinho, tão perfeito,
e sorri, pensa:
- Eu dou um jeito, já paguei as dívidas, agora vou fazer
uma poupança para sua educação.
VINTE
E CINCO ANOS DEPOIS...
Romeu se casou de novo, ou melhor, juntou os trapos com
uma moça amorosa, ela não é tão bonita como Julieta, mas lhe deu dois lindos
filhos e cuidou de Estela como se, realmente, fosse sua filha. E todo dia
quando ele chega a casa, ela o recebe sorrindo e com abraços e beijos saudosos.
Estela se casou e lhe deu uma netinha, sua cópia, linda!
Toca a campainha, Romeu vai atender.
- Julieta?
Ele a olha boquiaberto, demorou em reconhecer a
ex-esposa, deve ter feito tanto cirurgia plástica que... desistiu de definir o
que via. Essa era Julieta!
Ela foi entrando e olhou a bebê e estranhando perguntou:
- Essa é Estela? O que aconteceu? Ela encruou?
Romeu riu alto e com gosto, respondeu:
- É sua neta, seu nome é Flor.
Julieta arregala os olhos e irritada abana as mãos sem
emitir um único som. Tenta se controlar e com voz rouca, pergunta:
- Neta?
- É sim, sua neta.
- Nunca mais repita isso.
Sai correndo como se perseguida por mil demônios, bate o
portão.
Nunca mais ninguém a viu por ali.
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