segunda-feira, 1 de agosto de 2016

E SE... ROMEU E JULIETA NÃO TIVESSEM MORRIDO?

E SE... ROMEU E JULIETA NÃO TIVESSEM MORRIDO?


DEZ ANOS DEPOIS...

            - Ah! Chegou, que droga... o dia passou como um raio hoje. Não deu tempo nem de tomar um banho.
            - Querida! Cheguei!
            - Já sei. O jantar está quase pronto. Vai tomar um banho, e brinca um pouco com as crianças para eu terminar aqui.
            - Já vem você me dando ordens, como se eu fosse um dos seus filhos. Trabalhei o dia inteiro para sustentar essa família, enquanto você ficou aqui na boa. Não faz nada o dia inteiro!
            - Como não faço nada, quem você acha que lava e passa a roupa, limpa casa, faz comida e ainda cuida de sete filhos? Quer saber, já disse que não explico mais isso, qualquer dia resolvo e não faço mais nada. Quero ver você reclamar depois! E além do mais, aqui não é a história da Cinderela, ela pelo menos tem ratinhos e passarinhos que a ajudam nos afazeres.
            - É a nossa história é do Romeu idiota, que largou tudo por você, deixei para trás as facilidades, uma herança que me sustentaria à vida toda sem fazer nada. Até enfiei uma golada de veneno para dentro, meu estômago dói até hoje.
            - Grande coisa! Eu tomei aquele remédio horroroso, e depois disso, não posso mais nem tomar leite que me dá diarreia, e depois ainda enfiei seu punhal idiota no corpo e fiquei com uma cicatriz horrível. Tudo ideia daquele padre idiota! E vai tomar banho, a comida vai estar na mesa em dez minutos, assim me ajuda a dar para as crianças.
            Romeu se levanta do sofá, e sorri entredentes, pensando:
            “- Ela que pensa que eu vou sentar a mesa com os sete diabinhos, que se vire, vou tomar um banho de uma hora.”
            Uma hora depois...
            - Uai! Cadê a comida?
            - Acabou!
            - Como acabou? Você não deixou nem um prato para mim? Estou com fome!
            - Seus filhos comeram tudo!
            - Cadê eles?
            - No quintal brincando!
            - Mas você comeu, não é?
            - É. Eu estava sentada à mesa com meus filhos, na hora certa, e não fazendo onda debaixo do chuveiro, que gasta uma fortuna de eletricidade e água, só para não ajudar minha esposa e conviver com meus filhos. Você sabia que nem os viu depois que chegou?
            - O que eu vou comer?
            - Não tenho ideia. Se vira, você não é o bom?
            Romeu levanta do sofá e vai para a cozinha, abre a geladeira e a encontra quase vazia.
            - Não tem nada aqui.
            - Sinal que você não ganha o suficiente para sustentar sua casa. A comida de hoje, eu comprei com alguns concertos em roupas que fiz, mas amanhã só tenho o suficiente para os filhos. Então, quando chegar a casa traga o que comer, porque não vai ter.
            Romeu abre a geladeira, pega duas garrafas de cerveja e avisa Julieta:
            - Vou até a casa do Geraldo, o vizinho.
            - Sei quem é o Geraldo, o bebum aqui do lado. Vai encher a cara, sem nem mesmo dar boa noite para as crianças, e ainda filar comida dos outros.
            - Não enche meu saco, qualquer dia vou embora.
            Julieta fica sozinha, as lágrimas escorrendo pelo rosto, vai para o quintal brincar com as sete crianças. Algumas horas depois, oferece leite aos filhos, os coloca na cama e vai lavar a louça.
            Com a barriga enfiada na pia, a roupa molhada pelos respingos da torneira, que já consertou várias vezes, ouve a porta se abrir, desesperada pensa:
            - Jesus! O homem voltou e no mínimo vai querer uma noite de sexo louco, comigo dormindo. Deus me livre! Estou tão cansada!
            Dito e feito, Romeu cheirando a álcool e suor se aproxima, cola o corpo no de Julieta, aperta seus seios e fala em seu ouvido.
            - Vou te esperar na sala assistindo televisão, depois vamos para o quarto fazer as pazes.
            A moça fecha os olhos, engole em seco e pensa:
            - É só demorar um pouquinho por aqui, que ele dorme logo.
            Sozinha na cozinha, fazendo operação tartaruga na limpeza das louças, começa a relembrar o passado.
            O amor era tão forte, tão romântico, que aceitara a ideia do padre, fingir o suicídio. O que os dois não contavam era que Romeu não recebesse o recado, mas também aquele religioso guloso tinha que sair de perto para fazer uma boquinha.
            O resultado foi que Romeu em desespero havia tomado aquele veneno horroroso e o inferno ainda estava contaminado com bactérias. Está certo que foram socorridos a tempo, o padre os escondeu, dizendo que os corpos haviam sumido, deu mesmo a entender que foram levados aos céus como Jesus Cristo. E eles fugiram, depois de dois anos peregrinando de hospital em hospital, porque Romeu pegara uma baita infecção e quase morreu.
            Naquela época ela acreditava que tudo ficaria bem, e mesmo quase morto, ele a engravidara duas vezes, conforme as lembranças vinham, Julieta foi ficando com raiva, e falou alto:
            - Miserável, desde essa época só dando trabalho e fazendo corpo mole.
            Respirou fundo, e tentou reformular as ideias que a assombravam no dia a dia:
            - Eu o escolhi e o amava muito. Não é tudo que eu queria, mas eu também não sou. Vou ficar com ele hoje e fazer com que essa noite seja uma noite memorável, um recomeço de vida. Vou despertar os antigos sonhos de felicidade!
            Feliz pela decisão tomada vai ao banheiro, toma um longo banho perfumado, raspa as pernas que estavam um horror, penteia os cabelos desgrenhados pelos maus tratos. Olha no espelho e desvia logo o olhar, não gostou do que viu, então sorrindo pensa:
            - Também depois de sete filhos e os partos pelo SUS o que eu queria?
            Enrola a toalha no corpo, e vai avisar Romeu que está pronta para uma noite de amor:
            Para na soleira da porta, sente raiva e ao mesmo tempo certo alívio, Romeu está escarrapachado no sofá, roncando como um porco. Ela o observa e pensa:
            - Onde foi parar aquele homem lindo que mudara completamente sua vida. Estava barrigudo, careca e, santo Deus, com as unhas dos pés verdes.
            - Argh! Deve ser micose!!!
            Vai para o quarto coloca o mais feio de seus pijamas, deita na cama e nem mesmo lembra a hora que colocou a cabeça no travesseiro. Adormece!
            Na manhã seguinte:
            - Você me deixou dormindo no sofá! – fala Romeu irritado.
            - Depois que terminei o serviço, tomei banho e fui chama-lo, você já estava roncando. – bate na barriga do marido, e continua – Deve ser por causa desse barrigão de cerveja ou por falta dos cabelos.
            - Eu posso estar com barrigão e careca, mas seus peitos estão caídos.
            - Podem estar caídos, mas estão aqui. Quanto aos seus cabelos jogo uma pá no lixo todo dia. E o barrigão está cobrindo o sexo.
            Romeu olha em direção ao seu membro, puxa a barriga para cima, e emburrado, pergunta:
            - Cadê o leite?
            - Seus filhos tomaram.
            - Tem pão?
            - Seus filhos comeram.
            - Tomo café na rua, tenho uns trocados na carteira.
            - Não tem mais, já peguei para juntar e comprar o remédio de asma do Junior.
            - E o que eu vou comer?
            - O mesmo que sobrou para mim... nada! Ou então vende as garrafas de cerveja que estão na geladeira e faça uma despesa para a casa.
            - Tá muito quieto aqui, cadê os diabinhos?
            - Já levei meus anjinhos para a escola.
            - Mas... e o bebê?
            - O bebê, Miguel, já está na creche há dois meses. Agora não me amola mais, vou fazer bolos para vender.
            - Desde quando você faz bolos para vender? Que vergonha, o que o povo vai pensar?
            - Que eles são deliciosos e sustentam seus filhos, já tenho encomendas para hoje, então me deixa trabalhar.
            - Guarda um para mim. E já que as crianças não estão em casa, a gente podia aproveitar um pouquinho, não é?
            Julieta olha para ele atravessado, ele sai da cozinha e vai trabalhar.

            QUINZE ANOS DEPOIS...

            - Mãe estou saindo para trabalhar.
            - Vai com Deus meu filho!
            - Também estou indo, o Junior vai me dar uma carona. A Julia está chegando com as crianças.
            - Vai com Deus, meu anjo!
            Julieta acolhe duas crianças nos braços com muito carinho.
            - Vovó, podemos fazer massinha antes de ir para escola?
            - Pode sim, meu bem. Hoje a vovó vai fazer pães doces para entregar, então me ajudarão e cada qual fará uma para o lanche da escola, está bem?
            - Cadê o vovô? Já está deitado na rede?
            - Ainda não, querido, ainda está deitado na cama.
            - Minha mãe falou que ele precisa caminhar, está muito gordo, e o coração ruim.
            - Vamos lá chamar o vovô para tomar café, assim ele anda da cama para a rede.
            Julieta entra no quarto e percebe que algo está errado, pede às crianças que a ajudem e varram a cozinha para começarem logo a fazer as massas. Fecha a porta, se aproxima e percebe que Romeu morreu.
            Abraça o corpo inerte e fala com carinho:
            - Sei que brigamos muito, que não fui tudo que queria para você, assim como você também deixou algumas coisas a desejar, mas eu o amo muito e ficarei triste sem você.
            Passa a mão pela cabeça lisa, sem um fio de cabelo, olha o rosto amado e pensa:
            - Como você é lindo, meu amor!
            O espírito de Romeu a abraça e fala ao seu ouvido:
            - Você é linda e vou sentir saudades de cada momento que vivemos juntos.

DEZ ANOS DEPOIS...

Julieta continua viúva e cultuando a memória de Romeu, mas percebe que no fundo as coisas foram se modificando. Mãe de sete filhos, sogra de genros e noras que a respeitam, e o melhor de tudo... avó de doze netos, que ajudou a cuidar. Sua neta mais velha aguarda seu primeiro bisneto.
Aquela noite foi deitar mais cansada que o normal, deu por conta da idade.
Acordou pela manhã e tudo estava diferente, ao lado de sua cama, seu jovem Romeu estendeu-lhe as mãos com carinho e falou emocionado:
- Acompanhei você por cada minuto destes dez anos, e a admiro e amo cada dia mais. Estava com saudade!
Julieta se levanta, olha ao redor, esse é seu quarto, mas está diferente, olha para Romeu e pergunta:
- Eu morri?
- Veio se encontrar comigo, e espero que aceite ser minha esposa novamente.
Julieta o olha, dá a volta ao seu redor, bate em seu ombro de leve e fala:
- Bons amigos! Apenas bons amigos!
            

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